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MACHADIANA
 

Em certa casa da Rua Cosme Velho

venho visitar-te... 

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Machado de Assis: uma Cartografia Inacabada 

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Cada um de nós traz uma ideia de Machado. 

 

Ideia vaga, talvez, difusa, mas eminentemente sua, apaixonada e intransferível.  Como se guardássemos um fino véu a se estender sobre a cidade do Rio de Janeiro. 

 

Paisagem pela qual vamos fascinados e diante de cuja natureza suspiramos.

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Todo um rosário de ruas e de igrejas – Mata Cavalos, Santa Luzia, Latoeiros e Candelária. Nomes-guias e sonoridades perdidas. Morros derrubados. Praias ausentes. Tudo o que perdemos move-se ainda nas páginas de uma cidade-livro.  Cheia de árvores e de contradições, por vezes dolorosas. Chácaras e quintais compridos. Aqueles mesmos quintais que  assistiram aos amores de Bentinho e Capitu e dentro de cuja educação sentimental nos formamos. 

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Machado nos vem desde a escola – com  A Cartomante ou a Missa do Galo – até a revelação inesperada de Brás Cubas; quando já consideramos nossa aquela terra ficcional, totalmente nossa, legado de não poucas gerações.  

 

E assim aprendemos a ver as coisas que nos cercam. 

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Herdamos parte essencial de sua língua. O corte da frase. A espessura do substantivo. A parcimônia de atributos.  Mas, acima de tudo,  o modo de sondar a extensão de nosso abismo. Sabemos que o Cruzeiro do Sul está muito alto para não discernir os risos e as lágrimas dos mortais. Mas acreditamos   que   alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões.  Esse fraseado lapidar salta dos livros e cria instrumentos de sentir. E não são apenas as frases. As  personagens também se deslocam do papel e vagam incertas  pelas ruas do  Rio. Tal como as criaturas de Dostoievski em São Petersburgo.

 

Sabemos onde moram e para onde vão.

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Aquelas ruas e praças são como espelhos que refletem distâncias  desde sempre intangíveis. Emerge desse mundo, José Dias com seu passo estudado. Marcela, tão ávida de esplendores. A severa beleza de Guiomar. E o sorriso-lágrima de Helena. O piano de Fidélia em Botafogo.  E Quincas Borba nas escadarias da igreja de São Francisco. 

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Mas há também  seres de carne e osso, contemporâneos de Machado,  que lhe habitam as páginas, adquirindo foros de eternidade ficcional, como o ateniense Francisco Otaviano. A longa tristeza de Alencar no Passeio Público. As mãos trêmulas de Monte Alverne, apalpando o espaço que não podia ver. As meias de seda preta e os calçados de fivela do porteiro do Senado.  

 

Para Machado de Assis a História podia ser comparada aos fios do tecido que a mão do tecelão vai compondo, para servir aos olhos vindouros; com os seus vários aspectos morais e políticos. Assim como os há sólidos e brilhantes, assim também os há frouxos e desmaiados, não contando a multidão deles que se perde nas cores de que é feito o fundo do quadro. 

  

O centro e o fundo. As cores vivas e desmaiadas. A trama singular. Machado de Assis terá fixado o sentimento exato daqueles dias, que parecem ultrapassar o próprio tempo, como se fossem o patrimônio da memória coletiva e quase atemporal.
 

Assim, dedicamos a exposição da Biblioteca Nacional aos amigos e leitores de Machado. A ideia tinha de ser abrangente e republicana. E a escolha não podia não ser biográfica no centenário, quando se redesenha o rosto do Bruxo. 

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Se a crítica avançou nesse território, ainda resta muito que fazer no espaço continental de sua obra. Falta uma biografia mais apurada, que retifique as anteriores, de Lúcia Miguel Pereira, Magalhães Júnior, Luis Viana Filho e Jean-Michel Massa – cujo livro A juventude de Machado de Assis constituiu um passo decisivo. O labirinto de pseudônimos, declarados ou não, ainda espera pelo fio de Ariadne.  E a edição da obra completa parece deixar a descoberto zonas de silêncio e vazios demográficos.     

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A voz de Machado se faz sentir na mostra a partir da obra e da cidade.  Como se tivéssemos de tentar aquele livro de memórias que ele sugeriu em carta a José Veríssimo. Memórias futuras, por onde se move o narrador volúvel, de que fala Roberto Schwartz e, que se mostra, em chave paralela, com Raymundo Faoro:

 

A perspectiva histórica, a busca atormentada da realidade, a consciência  de uma visão nobremente distinta em contraste com outra, esta plebeia e realista, levaram o escritor a construir um modelo social, a um tempo modelo do homem. Surpreendido na encruzilhada, apegado a lealdades velhas, mas atento à mudança eminente, não pôde evitar a imagem ambígua do mundo, embora unificada numa concepção unitária da natureza, a natureza que abrange tudo, o gesto e a flor, dentro da vida em perpétuo movimento. No século em curso, a sociedade parecia assumir estrutura independente do homem, entidade capaz de dobrar ao seu império a liberdade dos átomos livres. A rebeldia a essa presença, monstruosa ao humanista, inspira uma teoria do mundo social, alheia e hostil ao nascente determinismo naturalista.

 

Buscamos a imagem ambígua do mundo e a visão unitária da natureza, assinaladas por Machado nas mudanças –   não apenas urbanas – ocorridas na Corte e na Capital Federal. Como mostrou John Gledson – no passeio de Quincas Borba ao Livramento – a nostalgia de um Machado memorialista: 

 

Foi ainda a pé durante largo tempo; passou o Saco de Alferes, passou a Gamboa, parou diante do Cemitério dos Ingleses, com os seus velhos sepulcros trepados pelo morro, e afinal chegou à Saúde. Viu  ruas  esguias, outras em ladeira, casas apinhadas ao longe e no alto dos morros, becos, muita casa antiga, algumas do tempo do rei, comidas, gretadas, estripadas, o caio encardido e a vida lá dentro. E tudo isso lhe dava uma sensação de nostalgia... 

 

Esse tônus de época, assumido pela mostra, insere Machado no horizonte do Segundo Reinado e da República, delineando-lhe, ao mesmo tempo, o índice manifesto de sua contemporaneidade. Tão claro nas obras maduras e cheias de frescor.  Os ensaios de Alfredo Bosi,  José Miguel Wisnik e Sérgio Paulo Rouanet  vêm apontando recentemente  para essa inesgotável permanência. 

   

Decidimos expor as peças mais visitadas às menos conhecidas, além daquelas redescobertas durante a montagem. Trata-se menos de uma semiologia de objetos e mais de uma sintaxe configuradora. Não a simples amostragem, mas o ruído da obra e da história, que formam um todo, longe do vácuo que se costuma interpor entre ambas, como se fossem esferas irredutíveis.

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Seria o caso de combater alguns fantasmas que, muito embora eliminados pela crítica, perseguem uma estranha sobrevida?   

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A ideia, por exemplo, de um menino mais pobre do que realmente foi e de compleição mais frágil do que teve. E a lista seria longa: não consta que Machado tivesse tentado apagar suas raízes ou que lhe faltasse amor pela família; a existência da padaria Gallot, onde teria aprendido francês, carece de documentação plausível; o primeiro poema que  publicou não foi “A Palmeira”, mas “À Ilma. Sra. D.P.J.A.”; Carolina não ampliou as leituras de Machado e nem tampouco lhe aperfeiçoou  o  estilo; o espaço entre a primeira e a segunda fase da obra,  cuja fronteira seria Memórias póstumas de Brás Cubas, deixou de ser vista como um abismo; não faltam árvores e quintais no coração da narrativa e a natureza não está fora de seus quadros, como também as cartas que escreveu não respiram frias distâncias; por último, Machado jamais deixou de lado as questões políticas, como o caso Christie, a escravidão e a República. 

 

Tudo isso já foi amplamente demonstrado. E, no entanto, esses falsos biografemas parecem inarredáveis. E mesmo que fossem verdadeiros, a obra não perderia um milímetro de sua qualidade ficcional.  

 

Seja como for, o fascínio exercido por Machado é parte essencial de sua herança. Aquele enigma tão bem  definido por Graça Aranha:   

 

O que se sabe das suas origens é impreciso; é a vaga e vulgar filiação, com inteira ignorância da qualidade psicológica desses pais, dessa hierarquia, de onde dimana a sensibilidade do singular escritor. E por isso acentua-se mais o aspecto surpreendente do seu temperamento raro, e divergente do que se entende por alma brasileira. Há um encanto nesse mistério original, e a busca e inexplicável revelação do talento concorre vigorosamente para fortificar-se o secreto atrativo, que sentimos por tão estranho espírito. De onde lhe vem o senso agudo da vida? Que legados de gênio, ou de imaginação, recebeu ele? Ninguém sabe.  De onde essa amargura e esse desencanto? De onde o riso fatigado? De onde a meiguice? A volúpia?  O pudor? De onde esse enjoo dos humanos. Essas qualidades e esses defeitos estão no sangue não são adquiridos pela cultura individual. A expressão psicológica de Machado de Assis é muito intensa para que possa ser atribuída ao estudo, à observação própria. Cada traço de seu espírito tem raízes  seculares e por isso ele resistirá a tudo o que passa.   

 

E aqui se estende seu olhar sobre o futuro.

 

*

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O Homem Subterrâneo

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Se a literatura russa nasceu toda d'O capote de Gogol, o conto brasileiro nasceu de Papéis avulsos de Machado, e desde a formidável página de “O Alienista”. 

 

Podemos dizer que saímos de duas casas, da Casa Velha e da Casa Verde, e que a contemporaneidade do conto brasileiro reside no modo pelo qual nos associamos ao Fá Menor da narrativa machadiana. 

 

Uma questão genética não impede o futuro e nem tampouco restringe uma legítima demanda identitária. Antes, torna mais sensível um feixe de forças, saltos e confluências de uma paisagem que se adensa e se confunde na ficção brasileira. Como se fosse necessário revisitar Machado, reescrevê-lo, por excesso ou por falta, herança ou destino, mas sem fatalidades maiores, correntes e fantasmas que impeçam a floração de novos potenciais. 

 

Demarcar o uso dessa herança, reconhecendo-a ou esconjurando-a, eis a tarefa que emerge do seio de nossa ficção. 

 

E se é verdade que a crítica machadiana ainda está longe de prestar simétrica justiça ao criador de Brás Cubas, também é verdade que ela vem atingindo pontos nodais. Gosto de voltar às páginas de Augusto Meyer. Fico aborrecido com Sílvio Romero. E enternecido com Mário de Alencar. Pedindo um pouco mais a Viana Moog. E um pouco menos a Magalhães Júnior. Confiando em Alcides Maia. E desconfiando de Gondim da Fonseca.  Não me esqueço de Astrojildo Pereira ou de Raymundo Faoro. Passeio pelos domínios de Eugênio Gomes, Roberto Schwarz e Barreto Filho.

 

Parece-me – no entanto – que o conto brasileiro realiza uma crítica à esquerda do ensaio, algo mais amplo e ousado, deslocando chaves e corredores, cenários e linguagens da obra machadiana, a partir da matéria narrada, desde Lygia, Clarice, Scliar e Rawet. 

 

Na zona ambígua, entre ensaio e ficção, desponta Augusto Meyer, com o seu Machado de Assis, deliciosamente impressionista e fragmentado. E tal como José Veríssimo sonhava com Machado traduzindo toda a Divina comédia (a partir da memorável versão do canto XXV do “Inferno”), imagino, por minha conta, Augusto Meyer debruçado num ensaio sobre Quincas Borba. Arriscava um título: O homem subterrâneo.  E este podia ser o indício de um mapa. Ou talvez uma escala.

 

Houve recentemente um debate que polarizou opiniões acerca da identidade do conto brasileiro contemporâneo. Para certo crítico, Machado foi relegado ao ostracismo nas letras do século XXI, sendo portanto  desnecessário acompanhar uma narrativa que não leva em conta seu estatuto jurídico, sua carta de achamento. Outro ensaísta repisou a falta de sucessores no caminho aberto por Guimarães Rosa, desde Sagarana, dando a entender que a modernidade começava e terminava no Grande Sertão.  Nos dois casos, a pretensa identidade ficcional se situaria no eixo Machado-Guimarães Rosa. Todo o resto não passando de um deserto povoado de escombros.  Narrativas soltas. Temas sem vigor. Talvez Clarice. Talvez Graciliano.  

 

O debate se mostrou desde o princípio destinado a um sufrágio impossível – por concepções que, novas na aparência, revelavam uma atitude comprometida e ultrapassada. Como se fossem juízes de uma causa metafísica, isenta de matéria e memória.

 

Não precisamos seguir o Gênesis de Cornélio Pena, segundo o qual “no princípio era o nada; depois apareceu Machado; e depois foi o nada, outra vez...” Trata-se de uma deliciosa pilhéria do autor de A menina morta, que ele propôs a si mesmo, para ultrapassá-la na medida de suas forças. Mas houve quem tomasse a sério essa visão, perfilando-se inutilmente entre as hostes frívolas dos machadoclastas ou do servilismo dos machadólatras, empenhadas, ambas as facções, numa guerra desprovida de causa e sentido.  

 

Mesmo no coração do modernismo, os contos de Mário de Andrade, como “O Peru de Natal” ou “Frederico Paciência” seriam impensáveis sem a visitação a Dom Casmurro e o modo pelo qual Mário realizou uma ética do deslocamento.  O mesmo valendo para o Machado Penumbra das Memórias sentimentais de João Miramar, em Oswald, obrigados como estavam os inventores do Modernismo, a desafiar o Conselheiro Aires.  

 

Não é o caso de resgatar uma unidade perdida, que jamais existiu, para auferir graus de ressonância relativos a um suposto paradigma machadiano. Mas é justamente para criticar a busca de um ADN literário, que se faz mister considerar esses fantasmas, evitando, ao fim e ao cabo, um sem-número de  confusões conceituais.  

 

A mais perigosa de todas e repetida inúmeras vezes é aquela que tende a separar Esaú e Jacó, romance do mundo interno, de um Pelo sertão, de Afonso Arinos, que seria o caminho inverso, o da participação do mundo externo popular e regional!  

 

Divisão insustentável essa, cuja atitude apressada levaria à ideia de um abismo entre Lima Barreto e Machado – logo quando se tratava de enfrentar a história dos subúrbios, como em Clara dos Anjos ou Numa e a ninfa, alvejando, por consequência, as ligações futuras de um João Antonio, com Malagueta, Perus e Bacanaço. Como se ele, João Antonio, por aderir a Lima Barreto fosse – não sendo – um anti-machadiano de carteirinha. 

 

Outra cisão mais grave seria aquela que, desvinculando Machado de Guimarães Rosa, a partir das vastíssimas veredas do Grande sertão, não admite a dimensão metacrítica da narrativa como ponto de confluência entre ambos. Muito embora Guimarães Rosa realize a passagem da analogia do mundo para a equivocidade do ser – distanciando-se do espaço em que respiram Fidélia e Sofia –  parece mais ajuizado e proporcional marcar o salto de Rosa, a partir de Machado e não de Afonso Arinos.

 

A questão do debate a que me referi, não é senão a retomada dos rumores das velhas e emperradas máquinas de certa crítica literária.
 

Evoco a experiência proposta por Osman Lins – a partir do livro Missa do galo: variações sobre o mesmo tema – já não sendo o capote, mas o roupão, o símbolo de nossa origem. Dos diversos contos, brilha o de Lygia Fagundes Telles, que é uma virtuose daquele Fá Menor (encosto a cara na noite e vejo a casa antiga). Lygia revive o micro-clima machadiano, à medida que, mantendo a mesma atmosfera, indaga perspectivas e possibilidades:  

 

Não entendo – o jovem dirá quando lembrar o encontro e a conversa com a senhora que vai aparecer daqui a pouco. Não entende? Quero entender por que ele não entende o que me parece transparente mas não estou tão segura assim dessa transparência,  ah, se ao menos acontecesse alguma coisa, meu Deus!

 

Entender, não entendendo. O demônio das coisas claras. E o anjo das sutilezas. Como se o conto brasileiro precisasse revolver o sistema machadiano e suas demandas, para logo em seguida deslocá-las em outro diapasão. 

 

Do mesmo modo, Clarice Lispector, em Laços de família, realiza uma aventura no corpo transparente da palavra, nas regiões remotas da narrativa, explorando meridianos e equinócios, que se articulam luminosos, pois,  como em Machado, a poesia é mais importante que a geometria. A conclusão de  “Feliz Aniversário” assinala o que vamos dizendo:

 

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, ereta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério. 

 

Além de escadas e contingências. Aí está Clarice, leitora de Quincas Borba, justo nessa topologia que se constrói para além de andares e de ideias. Escadas e corredores que deságuam no imponderável. 

 

Os olhos claros do quase. 

 

Clarice nos dá uma chave importante para a compreensão da sombra de Machado, que se alonga a partir do meio-dia do século XX.  Não através de conteúdos e alusões, mas através de uma atitude sutil, a de um Machado absorvido nas estratégias da ficção das distâncias e dos centros de força ou das linhas de convergência: o campo da metanarrativa, da fragmentação, como traços que se mostram essenciais no conto brasileiro contemporâneo.  

 

No viés dessa diversidade, recorro ao laboratório de Moacyr Scliar, quando se volta para os próprios contistas, numa bem-humorada exploração das possibilidades criadoras da filosofia da composição. Os contistas respiram a abertura de um tema que não se fecha, mas que se multiplica em formas inesgotáveis. 

 

Insisto na ideia de uma narrativa aberta, elíptica, com Samuel Rawet, sondando possibilidades, ao escrever sobre um conto no qual a poesia e a geometria se entrelaçam de modo soberbo: 

 

Tenho presentes dois esboços de personagens e um semi-esboço de cenário, e não sei por que me deva agarrar a alguma convenção de conto, não formulada aliás, e só apresentar a história depois de solver em detalhe os enigmas que personagens e cenários representam.

 

O ainda-não como personagem, feito de semi-esboços, no país do quase. Essa demanda de coisas ambíguas, causalidades inúteis e sínteses desnecessárias encerra uma teoria do conto, que segue à esquerda do ensaio.  

 

Essa mesma noção  de fragmento atravessa a olhos vistos a  obra de José J. Veiga –  Os cavalinhos de platiplanto A hora dos ruminantes – e, mais fundamentalmente, a de Murilo Rubião, do Ex-mágico, fascinado por Machado e Pirandello, sem o drama de terminar um conto, tal como na imagem de  “O Edifício,” que jamais se completa, como se fosse uma torre de Babel, positiva e monoglota, numa escala sem limites. Murilo certa vez afirmou: 

 

Nunca me preocupei em dar um final aos meus contos. Usando a ambiguidade como meio ficcional, procuro fragmentar minhas histórias ao máximo, para dar ao leitor a certeza de que elas prosseguirão indefinidamente numa indestrutível repetição cíclica. 

 

Aí está o discernimento de uma história em progresso. O incompleto. O inacabado. O conto de Murilo termina, dizendo: “o edifício continuava a ganhar altura.”

 

A ideia da incompletude e dos ciclos, no encontro do mito com a história, aciona o motor primordial dos contos de Osman Lins, desde Os gestos até Avalovara  (um conjunto de contos-fractais). A dimensão do fragmento de Osman Lins repisa as influências de Borges, Machado e do Oulipo, como na metáfora, que abraça o romance:

 

O barqueiro segue o rio da cabeceira à foz. Segue e está presente, no curso da viagem, em todos os pontos do percurso. Pode, em momentos privilegiados, ter a visão simultânea – não da viagem toda: a tanto não alcança – de alguns segmentos da viagem. Incursões. 

 

Prosseguindo nas incursões do rio da linguagem, a obra de Raduan Nassar reitera a vertigem dessas águas na prosa brasileira, como se o delírio poético de Brás Cubas fosse levado ao extremo, ocupando o centro da narrativa, com sua alta velocidade, frases-relâmpagos num céu varado de fogo e dolorosa beleza:

 

E dizer tudo isso num acesso verbal, espasmódico, obsessivo redescobrindo sem demora em mim todo o animal, cascos, mandíbulas e esporas, deixando que um sebo oleoso cobrisse minha escultura enquanto eu cavalgasse fazendo minhas crinas voarem como se fossem plumas, amassando com minhas patas sagitárias o ventre mole deste mundo, consumindo neste pasto um grão de trigo e uma gorda fatia de cólera embebida em vinho.

 

No diapasão dessa alta poesia, Hilda Hilst assume, depois de Osman Lins e Raduan, uma prosa cheia de nódulos e aglutinações, como as de um Francis Ponge, em áreas de contaminação semântica:

 

Ovo de âmbar rolando uma superfície de cômoda esmaltada, Kadosh deslizando, oleosa ansiedade, Kadosh-ovo e lousa louvando pai-mãe que lhe deu corpo, ah que pórtico-alegria esse viver do corpo, o milagre das mãos, milagre poder tocar o de rosto perfeito...   

 

Não me é possível analisar uma constelação de autores que se destacam do século XX para o XXI. Se tivesse de realizar uma antologia em Fá menor, eu havia de convocar os que levaram às últimas consequências a distância entre a narrativa secreta e a narrativa manifesta – como queria Ricardo Piglia, ao definir o conto como um ser bifronte. Seriam eles: Lúcio Cardoso, e a sua casa incomparável; Luis Vilela e os temores da terra; Moreira Campos e a precisão radical; Dalton Trevisan e Gilberto Noll, com seus núcleos maxi-mínimos; Rubem Fonseca, na mudança de planos  de suas  vastas emoções; Ignácio de Loyola Brandão, no ódio das coisas lineares; Sérgio Santanna com o impacto de seu underground;  Nélida Piñon, e os guias-mapas e vozes do deserto; os conjuntos narrativos de Sônia Coutinho; o conteúdo crescente das idéias, em Luiz Ruffato; os noturnos luminosos de Ana Miranda; além de  Ronaldo Correia Brito, com sua mística seca. Para terminar, as páginas contundentes de um Caio Fernando Abreu, todas marcadas de espanto. 

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Uma antologia precária, a que apresento. O essencial seria não perder de vista a força do interdito e a leitura do intervalo, que para Cortázar, é como um sol, em torno do qual gira o planeta das palavras.  

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Outros planetas se acendem. Autores. Significados. Mas o presente é bem mais vasto...   
 

Depois de realizar esse breve excursus, abro a correspondência de Machado.  E me vejo suspenso entre o Segundo Reinado e a República Velha, a Rua do Ouvidor e a Rio Branco, O Ateneu, de Pompéia, e Canaã, de Graça Aranha. 

 

As cartas me confundem e emocionam. Destaco apenas um trecho de Joaquim Nabuco para Machado (Pau, 1903), quando o autor de Minha formação declara sem rodeios: “Tenho o pressentimento que o século XX está para o roubar do século XIX.” Nabuco viu com olhos fortes um desafio que não cessa de avançar.   

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O Teatro no Segundo Reinado

 

A Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional não podia ter escolhido momento mais adequado para publicar o guia do Arquivo do Conservatório Dramático Brasileiro, na comemoração do centenário da morte de Machado de Assis. 

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Trata-se de um mapa muito bem desenhado,  cuja abrangência, de 2532 documentos, realmente impressiona. Formado não só pelos pareceres das peças que pleiteavam a cena, mas também do livro de atas e relatórios daquele alto colegiado, que dependia do Ministério do Império,  desde a sua fundação em 1843, até o final de sua primeira fase, em 1864 – que é matéria dessa coleção.   

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O Conservatório teria por finalidade “promover os estudos dramáticos e o melhoramento da cena brasileira, de modo que esta se tornasse a escola dos bons costumes e da língua”. E a Resolução Imperial, de 28 de Agosto de 1845, deixa claro que o julgamento do Conservatório é obrigatório quando as obras censuradas pecarem contra a veneração à Nossa Santa Religião, contra o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, e contra a guarda da moral e decência pública. Nos casos, porém, em que as obras pecarem contra a castidade da língua, e aquela parte que é relativa à ortoepia, deve-se notar os defeitos, mas não negar a licença.  

 

Eram tempos de Maioridade recente e de sotaque saquarema. Com o passar dos anos, aquelas preocupações se atenuam, estando o Império, mais seguro de si e do projeto de unidade política. Dentre os sócios fundadores, dois baluartes do período:  Januário da Cunha Barbosa e Manuel de Araújo Porto Alegre. 

 

De 1862 a 1864, Machado de Assis tomou assento no Conservatório Dramático  e produziu algo como dezessete pareceres, redescobertos em 1952, pelo então presidente da Biblioteca Nacional,  Eugênio Gomes, que teve também a felicidade de se deparar com “As Forcas Caudinas” – peça náufraga em mares de papel. As decisões de Machado refletem seus ensaios: “O teatro é para o povo o que o coro era para o antigo teatro grego; uma iniciativa de moral e civilização.” E arremata, demonstrando que a arte devia “identificar-se com o fundo das massas; copiar, acompanhar o povo.”

 

Eram as ideias de Voltaire que se ampliavam até Victor Hugo e Augier, proferidas por um jovem poeta de quase vinte e cinco anos, que despontava ao mesmo tempo como crítico e dramaturgo. O teatro para Machado – tão próximo de Quintino em  “Os Mineiros da Desgraça”  –  era um pacto de verdade e transformação. O dramaturgo deixava a esfera de reis e rainhas  para tocar de perto a riqueza inesgotável do quotidiano. A sociedade seria o foco da dramaturgia nova, devendo apontar 

 

aos iniciados as verdades e as concepções da arte e conduzir os espíritos flutuantes e contraídos da plateia à esfera dessas concepções e dessas verdades. Dessa harmonia recíproca de direções acontece que a plateia e o talento nunca se acham arredados no caminho da civilização.

 

Não admira que Machado, como censor, aprovasse a peça  “Nossos Íntimos”, de Victorien Sardou,  por considerá-la de alto valor moral e literário.  Esse era o mote de sua obra, desde a carta-prefácio das peças  “O Caminho da Porta” e “O Protocolo”: 

 

Caminhar destes simples grupos de cenas – à comédia de maior alcance – onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se case ao conhecimento prático das condições do gênero – eis uma ambição própria do ânimo juvenil e que eu tenho a imodéstia de confessar.

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Apesar de insistirmos com Machado, sua presença não ocupa sequer um por cento da documentação. O acervo – por largura e diversidade –  guarda elementos outros que reclamam a atenção dos pesquisadores e aprofundam a história das ideias do teatro no Brasil.

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Passam por essas folhas Macedo e Alencar, França Júnior e Porto Alegre, João Caetano e Martins Pena, Carlos Gomes e Ernesto Cibrão – figuras que regem a soma de tendências que atravessam o Segundo Império. Tão vasta documentação dissolve o mito –  radicado em certa esfera da crítica – de que nosso teatro começou do nada e, apenas no século XX.  

 

Clivagens tão arbitrárias como essas – que confundem o valor histórico com o valor estético – não resistem a um olhar atento, muito menos quando se percebem as nuances de repertório e pantomima – nem sempre irredutíveis – que distinguem o teatro São Januário do Ginásio Dramático,  o São Pedro do Alcazar, o Santa Carlina  do São Francisco.   Diferenças com que trabalharam, aliás, Martins Pena e José de Alencar, Porto Alegre e Gonçalves de Magalhães, em termos de atores e de espaço teatral.  

 

Os pareceres do Conservatório ecoam os debates que corriam na Europa. O teatro deve promover a ética, atingir os motores da História e consolidar o processo de civilização, desde “Emilia Galotti”, de Lessing, até  “A Noiva de Messina”, de  Schiller – traduzido esplendidamente por Gonçalves Dias. 

 

Mas o centro era Victor Hugo, com os prefácios de “Cromwell”  e de “Maria Tudor”. Para ele, o teatro

 

seria a mistura no palco de tudo que está misturado na vida... seria o riso; seriam as lágrimas; seria o bem, o mal, o alto, o baixo, a fatalidade, a providência, o gênio, o acaso, a sociedade, o mundo, a natureza, a vida; e, acima de tudo isso,  sentiríamos pairar algo de grande!

 

E, contudo, ainda com Hugo, se os limites do palco eram imperiosos, a cena buscava a verdade, apoiando-se, muito embora, numa linguagem de ilusão: “O teatro não é o país do real: existem árvores de cartolina, palácios de pano, um céu de farrapos, diamantes de vidro, ouro de lantejoula, fingimento na bofetada, rouge na bochecha, um sol que sai por debaixo da terra.”

 

A dialética verdade-ilusão, presente em Machado e Quintino, ressurge não poucas vezes nos papéis do Conservatório. E não ficam de fora sequer os libretos das óperas, como o da Joana de Flandres, e nem tampouco a gramática dos atores, como quando Machado critica João Caetano, símbolo que separa o repertório antigo do moderno – este, que, para o futuro autor de Ressurreição, seria o Ginásio Dramático. Em conhecido ensaio, Machado chega a dizer: 

 

Aprecio o Sr. João Caetano, conheço a sua posição brilhante na galeria dramática de nossa terra. Artista dotado de um raro talento, escreveu muitas das mais belas páginas da arte. Havia nele vigorosa iniciativa a esperar. Desejo, como desejaram os que protestaram contra a velha religião da arte, que debaixo de sua mão poderosa a plateia de seu teatro se eduque e tome uma outra face, uma nova direção; ela se converteria decerto às suas ideias e não oscilaria entre as composições-múmias que desfilam simultâneas em procissão pelo seu tablado. 

 

Esse artigo dedicado a João Caetano representa um momento da reflexão sobre a ideia de um teatro nacional, de temática contemporânea, capaz de acompanhar o povo – com uma linguagem cênica concentrada, livre dos vezos dos velhos dramalhões. 

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Os papéis do Conservatório trazem discussões candentes, que florescem no coração do Império do Brasil, sobre a formação do público, o lugar do estado e da subvenção, a qualidade dos atores e a força dos textos. E não será difícil perceber que, desta selva e labirinto,  boa parte de nossa vida teatral mal se desvencilhou. 

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O Espelho e a Química do Tempo

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Machado de Assis disse mais de uma vez que a vida era uma ponte entre as margens de um rio. Metáfora que lhe vem pronta e insistente, desde os primeiros anos de sua formação, quando meditava o que definiu na maturidade como sendo a química do tempo.  E não fez mais que aprofundar vida afora a imagem das coisas que se gastam.  

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Esse profuso sentimento atinge a plenitude quando Carmo e Aguiar se consolam da saudade de si mesmos; quando Bentinho evoca os quintas de sua infância, quando os grandes vultos da Monarquia ressuscitam nas páginas de O Velho Senado, ou quando Machado consulta os periódicos da Biblioteca Nacional. 

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Justo aqui: as passadas águas dos velhos jornais – em cujas margens o fluxo do tempo está preso nas malhas de um hoje inabordável. E como soa estranha toda uma fila de verbos que se conjugam no presente, em notícias de quase dois séculos. Um agora ao mesmo tempo vivo e pálido.  Procissão de nomes e fantasmas de uma cidade que existe apenas no mundo das ideias. Um amanhã que já se consumou.  E um ontem, diante do qual não sentimos ligação maior. 

     

O rosto da cidade – para Baudelaire – muda mais rápido que o coração de seus habitantes. E como não havia de ser assim com o ruidoso silêncio da Corte nas folhas do Segundo Reinado?  

 

Basta percorrer as páginas da edição de O Espelho para ouvir jovens que dançam polcas e quadrilhas.  O movimento dos leques. A frivolidade da “crônica elegante”. As últimas notícias e o tom de Paris. 

 

Mas há também em O Espelho o que permanece. Um dos últimos poemas de Casimiro, trazendo a epígrafe do Mazeppa. E a notícia de Justiniano José da Rocha acerca da publicação de Primaveras: nestes dias de prosaico positivismo em que vivemos, acabam as letras brasileiras de receber mais um mimo. Páginas depois, salta aos olhos o paralelo entre Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, paralelo anônimo, vazado na oratória de um Chateaubriand:

 

Junqueira foi o poeta místico, o poeta do claustro; Álvares de Azevedo o poeta do povo, o poeta das turbas. Não há paralelo entre um e outro; um falava para o mundo, outro para Deus; a inspiração de um partia do sentimento, a do outro, do pensamento. Contudo negar-se a inteligência superior a Junqueira Freire fora o mesmo que desconhecer o imenso talento de que era dotado Álvares de Azevedo: fora fechar os olhos à magnética influência  que se desprende do límpido clarão da Lua, porque não se pode admirar os fios dourados do Sol em uma manhã de primavera.

 

Mas o que brilha nessas páginas são os fios de ouro dos vinte anos de Machado de Assis, desde o poema da estrela da tarde que sorri desmaiada, passando pelos ensaios sobre o teatro e aquelas bizarras aquarelas, que lhe asseguram presença constante e, não raro, destacada, na primeira página, assinada com um M d-As.

 

Há outros artigos, muito bem escritos, sem o prestígio daquelas iniciais, que lhe poderiam ser tributados, quer pelo estilo, quer pela força das metáforas.  

 

Jean-Michel Massa dedicou à revista todo um capítulo de seu fundamental A juventude de Machado de Assis. Buscou  ali  as leituras articuladas do jovem mestre, as primeiras influências, como as de Charles Ribeyrolles, e os interesses vários que o habitam, como o teatro e a música,  a poesia e a crítica, a imprensa e a sociedade.  

 

O Espelho – cuja vida não chegou a seis meses – tinha contudo um largo sobrenome: Revista Semanal de Literatura, Modas, Indústria e Artes. Seu redator em chefe, Francisco Eleutério de Souza – mais tarde vitimado na Guerra do Paraguai –,  contava com a colaboração de Silva Rabelo,  Moreira de Azevedo, Macedo Junior, além de outros, bissextos, como os já citados Justiniano José da Rocha e Casimiro de Abreu. Criada nos idos de setembro de 1859, a revista saiu inicialmente pelos tipos de Paula Brito, tornando-se a irmã dez anos mais nova de A Marmota, cujos colaboradores são quase os mesmos. A revista pretende “uma variedade que deleite e instrua, que moralize e sirva de recreio nos salões do rico, como no tugúrio do pobre”. 

 

Machado postula essas ideias no artigo A reforma pelo jornal, que parece resumir a visão daqueles jovens senhores da Praça da Constituição:

 

A primeira propriedade do jornal é a reprodução amiudada, e o derramamento fácil em todos os membros do corpo social. Assim, o operário que se retira ao lar, fatigado  pelo labor quotidiano, vai lá encontrar ao lado do pão do corpo, aquele pão do espírito, hóstia social da comunhão política.

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A imprensa era a porta-voz do saber, instrumento democrático, nos moldes de um país assumido idealmente,  através da imagem do operário que volta para casa. O jornal devia corresponder ao processo de civilização – para usar um termo caro ao Machado dos anos 1860.  

 

Mas, para além do jornal, o teatro era considerado o meio mais eficaz de retratar e discutir a sociedade.       

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E não mede palavras diante do que lhe parece um dos maiores flagelos do teatro na Corte: “Se o teatro como tablado degenerou entre nós, o teatro como literatura é uma fantasia do espírito”. 

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O crítico insiste na formação menos acidental dos atores – tome-se o caso de João Caetano, estudando os gestos de Monte Alverne, segundo reza a tradição. Machado bate com firmeza: “A arte dramática não é ainda entre nós um culto; as vocações definem-se e educam-se como um resultado acidental.”

 

O balanço exige uma atitude do Governo, uma reforma do Conservatório Dramático e um esforço de nossos melhores escritores – como faria Alencar com a peça Mãe  – para a formação de uma dramaturgia própria e uma práxis substantiva. A formação da plateia seria decorrente. Ele sabe que:

 

uma plateia avançada, com um tablado balbuciante e errado, é um anacronismo, uma impossibilidade. Há uma interna relação entre um e outro. Sófocles hoje faria rir ou enjoaria as massas; e as plateias gregas pateariam de boa vontade uma cena de Dumas ou Barrière.

 

O debate ia crescer no bem conhecido Instinto de Nacionalidade – quase em torno das mesmas ideias. De tom menos aguerrido, de quando afirmava em O Espelho que o teatro havia se tornado uma escola de aclimatação intelectual para que se transplantaram as concepções de estranhas atmosferas, de céus remotos (...); não tem um cunho local, vai ao impulso de revoluções alheias à sociedade que representam, presbita da arte que não enxerga o que se move debaixo das mãos.

 

E o que parecia mais grave:

 

Pelo lado da arte o teatro deixa de ser uma reprodução da vida social na esfera de sua localidade. A crítica revolverá debalde o escalpelo nesse verme sem entranhas próprias, pode ir procurar o estudo do povo em outra face; no teatro não encontrará o cunho nacional; mas uma galeria bastarda, um grupo furta-cor, uma associação de nacionalidades. 

      

Vale destacar que ao lado de um Machado, por assim dizer teórico, nasce  também o folhetinista, quando se dirige à leitora, contando-lhe com atmosfera  os pormenores de cada peça: “dê-me a leitora o braço e vamos ao  teatro de São Pedro”. Ou quando agradece um belo espetáculo  e com ela se identifica, na esperança de tempos melhores: “Oxalá que sempre tenhamos dessas no meio da monotonia em que vegetamos neste país sensaborão”. Não lhe falta humor, todavia, ao comentar uma ópera de Verdi: “Houve Lombardos no Lírico. Cantou a Sra. De Lagange como sempre, isto é, bem. Mas a ópera, como as leitoras sabem, não agrada. Lombardos! Em domingo! Com o Sr. Didot. É chamar o deserto à plateia”.

 

Folhetinista, ainda, ao referir a troca de olhares entre plateia e camarotes, como a que descreve em seu querido teatro Ginásio: 

 

Os binóculos moviam-se em todos os sentidos como a bússola que procura o norte. Mas por muita influência  que tivessem os camarotes sobre a plateia – sentia-se que o grande foco de atração estava no fundo da sala.

 

E não se esquece dos atores. Festeja Gabriela da Cunha em seu passado glorioso – que a cinge como uma auréola histórica. Aplaude Ludovina Soares da Costa, muito inspirada, embora, às vezes, algo irregular. Repreende as mãos fechadas e um certo avançamento da cabeça, de Furtado Coelho. Não se esquece de Eugênia Câmara, cujo talento não contesta, mas cujos esforços deviam buscar a comédia e não o drama. E outros nomes, dissolvidos na química do tempo.  

 

As críticas a João Caetano são uma constante. Esse mesmo João Caetano dos Santos, que era para Machado como que uma espécie de linha divisória entre o teatro novo e o teatro sufocado na poeira do romantismo – ator anfíbio, portanto, sobre o qual recaem suas críticas, nem sempre suaves. Fosse como fosse, a memória do teatro havia de preservar com toda a justiça o nome de João Caetano – escreve pouco mais tarde no Diário do Rio de Janeiro:

 

Mas é aqui o ponto de maior tristeza. O que é a veneração da posteridade pelos artistas do teatro? As cenas palpitantes, as paixões tumultuárias, as lágrimas espontâneas, os rasgos do gênio, a alma, a vida, o drama, tudo isso acaba com a última noite do ator, com as últimas palmas do público. O que o torna superior acaba nos limites da vida; vai à posteridade o nome e o testemunho dos contemporâneos, nada mais.

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E os reparos de Machado eram mais duros, se a dramaturgia se mostrasse pouco consistente, se não apostasse na essencialidade, ou se mal reproduzisse a sociedade, mina profunda e inesgotável,  como aprendeu com Quintino  Bocaiúva.  

Sobre o drama Rafael, de Ernesto Biester, afirma: 

 

como estilo é lírico demais; mesmo a suar lirismo por todos os poros; uma sucessão de odes, coruscante de figuras. Há trechos , em que a situação pede mais concisão, mais lisura, mais netteté, na frase, mas onde a firmeza da ação se perde em chuva superabundante de imagens. Revela-se aqui o autor pouco cuidadoso, que só procura o efeito, arredando-se assim da intenção primitiva que não lhe negarei, de uma pintura mias verossímil de caracteres.

 

Ou ainda, na peça Abel e Caim, aponta com firmeza para a existência de 

 

defeitos no drama de Mendes Leal (Antonio), mas não tão capitais que lhe mareiem o todo. O desfecho, por exemplo, é prolongado demais. O autor quis fugir de precipitá-lo e caiu no extremo oposto, abrindo assim uma espécie de tortura ao espírito da plateia. Deveria ser mais preciso para ser mais completo.

 

Machado discute nos dois casos a dimensão do tempo na dramaturgia, que foi o que sentiu desde cedo e com aquela sensibilidade que o levou ao sentimento cênico de sua ficção. Barreto Filho foi quem melhor insistiu como e quanto esse tirocínio dramático seria fundamental para os romances da maturidade. 

 

Vemos em O Espelho  que todo Machado estava ali na casa dos vinte. O tempo não fez mais que aprofundar, por circunvolução, aquele acervo fundamental,  emprestando-lhe matizes cada vez mais sutis, conquistados desde os Bildungsjahre. 

 

 E para não incorrer na  interpretação  marcionista da obra de Machado, dividindo-a entre um presumível  antigo e novo testamento –  sublinhando  este, em detrimento daquele –, vamos ao começo da crítica da peça Um Asno morto, que parece antecipar as cordas do delírio de Brás Cubas: 

 

A vida, li não sei onde, é uma ponte lançada entre duas margens de um rio; de um lado e do outro a eternidade. 

 

Se essa eternidade é de vida real e contemplativa, ou do nada obscuro, não reza a crônica, nem me quero eu aprofundar nisso. Mas uma ponte lançada entre duas margens, não se pode negar, é uma figura perfeita.

 

É doloroso o atravessar essa ponte. Velha e a desabar, há seis mil anos têm por ela passado reis e povos numa procissão de fantasmas ébrios, na qual uns vão colhendo as flores aquáticas que reverdecem à   altura da ponte, e outros afastados das bordas vão tropeçando a cada passo nessa vida dolorosa.  Afinal tudo isso desaparece como fumo  que o vento leva em seus caprichos, e o homem, à semelhança de um charuto, desfaz a sua última cinza, quia pulvis est.

 

E pensar nos redatores de O Espelho, dizendo:  “Pelo bom ou mau êxito de nossa empresa o futuro responderá”... 

 

*

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Brancas jogam. Mate em dois lances.

 

O jogo de xadrez ocupa lugar não desprezível na vida de Machado. Há em toda a sua obra uma chuva de citações sobre as peças em combate. O xadrez e o mundo vivem um íntimo processo de fusão e transfusão. Como numa crônica de A Semana, o jogo é a própria imagem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia, tudo isso sem rodas que andem, nem urnas que falem!  

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O autor de Iaiá Garcia não tinha com o xadrez apenas uma relação de metáfora ou de superfície. Era ao mesmo tempo estudioso e praticante. Em junho de 1877, lemos na Ilustração Brasileira:

​

As reuniões desta associação têm estado muito animadas e folgamos de ver que o número de amadores deste científico jogo vai em confortável aumento. O match que está sendo efetivado atualmente é o dos Srs. Machado de Assis e Arthur Napoleão, dando este ao primeiro cavalo da rainha. Até esta data o Sr. A. N. tem ganho 4 partidas, e o Sr. M. A. 2. As condições são que o primeiro que ganhar 7 partidas será considerado vencedor. 

 

Quase três anos depois, em janeiro de 1880, a Revista Musical e de Belas Artes dá notícias de um torneio, do qual participam “Machado de Assis, Arthur Napoleão, C. Vianna [o futuro criador da Variante Rio de Janeiro], Pradez, Navarro,  Dr. Palhares”.  Machado de Assis encabeça a disputa, com seis vitórias. 

 

A partir desse feixe de citações, dos testemunhos de Francisca Basto Cordeiro e Arthur Napoleão (que jogou com Paul Morphy, em Nova Iorque) e da presença de Machado na seção de xadrez de algumas revistas – podemos adivinhar seu estilo de jogo com o problema que publicou em 1877:  “Brancas jogam. Mate em dois lances”.  Límpida e clara, a solução  ( 1. Bb5, 1. e5, 2. Rf7#)  era o avesso do xadrez romântico, em cujo tabuleiro contava o efeito surpresa, o sacrifício inesperado e maravilhoso, no qual as peças avançavam por frágeis posições, como se o jogo só terminasse de modo fulminante e espetacular.

 

Machado não aprova uma estratégia impensada. O xadrez romântico era uma cena trágica. Cheia de lances espetaculares.  Como o piano de Liszt. Eram cavalos que saltavam para a morte. E torres desabando em linhas e colunas. Bispos feridos mortalmente em diagonal. A rainha estressada.  E o rei quase impassível, em tanto infortúnio. O estilo de Machado não era nada ruidoso: "meu bom xadrez, meu querido xadrez, tu que és o jogo dos silenciosos.” Livre de gestos irrefletidos que buscassem a espuma do efeito. Basta o exame do  jogo de Machado: neles a batalha é mais surda, de posição, oportuna e flegmática. Visa a conquista gradual do território. A partida podia começar rápida, mas devia disputar o centro do tabuleiro e ali depurar-se. Os golpes – como vemos na figura ao lado – seriam simples, articulados,  de modo que a memória da partida se desenhasse a partir de um único lance, como se fosse uma teia rija e perfeita.  A mesma rede que atravessa Esaú e Jacó, naqueles três capítulos que esclarecem a filosofia da composição machadiana, como “tudo o que restrinjo”, “fusão, difusão, confusão”,  ou ainda, “transfusão, enfim”.  Temas que acusam o embate entre a superfície linear e uma sintaxe descontínua.  As regras do jogo contra a anarquia. O predomínio de uma síntese vasta e contraditória. E a superfície  como base. Ponto de partida. Para chegar, afinal, ao domínio das coisas equívocas. Tudo o que Machado restringe. Eis o que se alarga na esfera do jogo. 

 

*

 

O Violoncelo de Bento Santiago

                    

A música está para Machado assim como a luz para a Divina comédia. Mais do que cenário, trata-se de uma razão estrutural. E se de fato a música rege o Memorial de Aires, ela não deixa de percorrer toda a sua obra. E muito além da sonoridade das ruas – que Machado fixou com a mesma paixão de Bentinho, ao transcrever o pregão do vendedor de cocadas. Além de auscultar o coração da Corte, Machado formou um deslumbrante acervo sonoro, longe da busca de efeito meramente cênico.     

  

As ruas de Machado abarcam uma densa polifonia, em que se alternam sinos, serestas, procissões.  O arfar de uma cidade com seus diversos arruídos. Bondes  e tílburis no Largo de São Francisco. E as melodias do Morro do Castelo, de cuja altura ouvimos o pai de Bárbara entoando uma cantiga do sertão. E no Teatro Lírico, as árias de normas, barbieres e elixires: a melodia comprida de Bellini e o coro volumoso das óperas de Verdi. A cultura erudita dialoga com a cultura popular. Ambas se articulam numa troca surpreendente de contraste e analogia. O maestro Pestana sonha uma obra sua encadernada entre Schumann e Bach. Mas eram as polcas que lhe dominavam a inspiração. Podemos ouvi-las a partir dos títulos, que lembram as canções de Paula Brito, como Candongas não fazem festa.

 

Esse continuum que abrange e arredonda o contraste de registros é a marca do estilo machadiano: as regências de Vieira e Bernardes; as lições de João de Barros e da velha poesia portuguesa; as páginas do Bluteau e o coloquial das ruas e artérias do Rio – numa fronteira porosa onde não se distingue o clássico do popular. Síntese em que os extremos se dissolvem. E sem risco de incompatibilidade sanguínea. 

 

Dessa língua de claro-escuros, diremos o que disse Aires de Fidélia: “Parece feita ao torno, sem que este vocábulo dê nenhuma ideia de rigidez; ao contrário, é flexível. Quero aludir somente à correção das linhas, – falo das linhas vistas; as restantes adivinham-se e juram-se.”  

 

E não podia ser diferente. O Machado leitor de folhetim – como mostrou Marlyse Meyer – passou, como Alencar, pela Ilíada de realejo do Rocambole e pelos devaneios do Saint Clair das Ilhas. E dessas fontes, possíveis e primeiras da juventude, aliadas a outras, maiores e mais vastas, foi acrisolando a temática e o estilo, firmado em outra noosfera, sem desprezar, no entanto, o que se devia manter dessa metamorfose. Tal ocorreu com o Beethoven das Variações Diabelli. O autor da Nona Sinfonia parte da insípida citação de duas sentenças, como estas:

 

E dessa base tão restritiva, as Variações guardam apenas os saltos de quarta e de quinta do original. Beethoven inseriu-lhes um sem número de acordes e mudanças rítmicas, tornando-a irreconhecível. Daquele nada inicial, surde uma potência criadora que parecia adormecida no pentagrama. Como se Beethoven dela extraísse um devir poderoso.

  

Devemos buscar em Machado o deslocamento na tessitura, que não se prende apenas às alusões sonoras multiplicadas a cada página.   

 

A música advém de sua inarredável condição de poeta. Ou se toma seriamente essa questão ou não se compreendem as linhas melódicas dos grandes romances, e não somente, como se insistiu, no Memorial. A elipse e o intervalo, o corte e a suspensão mostram-se recorrentes em sua partitura. Vemos por toda a parte uma série abundante de redondilhas,  decassílabos e alexandrinos, que mal se escondem sob o fluxo da prosa, realizando uma secreta harmonia entre as partes.   

Impera a dissonância na obra de Machado. Mas quase sempre travestida do equilíbrio de Mozart. O que significa dizer uma energia sutil. Dissonância que se realiza nos extremos.  Mal se desenha e logo se desfaz. E assim como os olhos terminam as linhas incompletas de um quadro, é preciso preencher os acordes dissonantes em Machado. Como quem suspeita da narrativa de Bentinho ou das negativas do amante de Virgília. Vejamos o delírio de Brás Cubas. 

 

O terreno é friável, poroso, incerto, por onde se infiltra um sem-número de remissões que não se adensam na superfície, mas que se amoldam em novas camadas narrativas, exigindo, portanto, uma visão próxima da estratigrafia, a fim de  clarear os múltiplos sentidos textuais e as zonas de transição correspondentes. 

 

É assim que o delírio de Brás Cubas cresce para dentro de si. Como as lágrimas do Velho de Creta, em Dante. A partir de Macário, de Álvares de Azevedo. Do Fausto, de Goethe. Da cova de Montesinos, de Dom Quixote. E da Lenda dos séculos,  de Victor Hugo. Uma vertigem terra adentro a de Brás Cubas. E o tom lembra algo das Operette morali de Leopardi e das metamorfoses de o Asno de ouro.

 

Mas a análise dos cristais não explica a síntese e o lavor de novos diamantes. 

 

Sem a noção de ritmo e de intensidade, o delírio de Brás Cubas não passaria de um feixe poderoso de metáforas que se acumulariam em múltiplos estratos de tempo geológico. A primeira parte do delírio se traduz num andamento largo, feito de notas compridas, breves e semibreves, desde a segunda metamorfose de Brás Cubas: "Logo depois, senti-me transformado na Suma teológica de Santo Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim com fechos de prata e estampas”. Estamos na zona solene de apresentação do Hipopótamo e de Pandora. 

 

A passagem dos séculos nasce não apenas de um vórtice de imagens, mas de  uma vigorosa eletricidade frasal. Passamos para a vertigem de um presto, sob uma chuva de colcheias e de semicolcheias, a pontuação ágil, quase sem pausas, numa torrente  de vírgulas:       

 

E fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranquilo  e resoluto, não sei até se alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de ideias novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera e amareleciam depois para remoçar mais tarde. 

 

Mais adiante, no clímax do século futuro, uma espécie de névoa que retarda e diminui a velocidade da narrativa (de onde terá Joaquim Cardozo tirado um trecho do trem subindo ao céu, quando aquele diminui e minidui aos nossos olhos) voltando ao andamento majestoso, quando o hipopótamo finalmente volta a ser o gato de estimação:      

 

Talvez por isso entraram os objetos  a trocarem-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiente; um nevoeiro cobriu tudo – menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...

 

Uma longa cadência se interrompe com aquela bola de papel seguida de uma pausa longa e dupla – das reticências e do fim do capítulo. Para ilustrar a ideia de naipes e de timbres pelos quais se desenvolve a narrativa machadiana, valha-nos um outro exemplo de Dom Casmurro, pois que se há clarinetes na obra de Machado, não lhe faltam tímpanos e violinos. 

 

No famoso capítulo “O Filho do Homem” temos um quarteto para sopros, corda e percussão, que se percebe pela forma rítmica e pela ideia de um contraponto sutil que empresta unidade harmônica às quatro vozes.

 

O clarinete de Ezequiel buscando imitar inocentemente o modo de andar de José Dias – definido muito antes por  Bentinho, pelo passo vagaroso, calculado e deduzido. O tímpano ambíguo de José Dias, quando estimula o menino a imitá-lo. O violoncelo de Bento Santiago aduzindo uma das possíveis provas da traição de sua mulher. Com uma partitura bem mais acidentada.  Como se fosse uma palinódia do que iria dizer mais tarde. O violino de Capitu cheio de pizzicatos e de tempos incisivos. Parece guardar de todos uma culpa do incesto presumido que Ezequiel, à revelia de si mesmo, já não sabe esconder.

 

 – (...) Meu anjo, como é que eu ando na rua?

 – Não – atalhou Capitu –;  já lhe vou tirando esse costume de imitar os outros.

– Mas tem muita graça; a mim, quando ele copia os meus gestos, parece-me que sou eu mesmo, pequenino. Outro dia chegou a fazer um gesto de Dona Glória, tão bem que ela lhe deu um beijo em paga. Vamos, como é que eu ando?

– Não, Ezequiel – disse eu –, mamãe não quer.  

​

Eu mesmo achava feio tal sestro. Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetidos, como os das mãos e pés de Escobar; ultimamente, até apanhara o modo de voltar a cabeça deste, quando falava, e o de deixá-lo cai, quando ria. Capitu ralhava. Mas o menino era travesso, como o diabo; apenas começamos a falar de outra coisa, saltou no meio da sala, dizendo a José Dias. 

– O senhor anda assim.

Não pudemos deixar de rir, eu mais que ninguém . A primeira pessoa que fechou a cara, que o repreendeu e chamou  a si foi Capitu;

– Não quero isso, ouviu?

 

Nesse maravilhoso jogo de timbres e contrastes, de corda, madeira e percussão, não podemos perder de vista as dissonâncias. E sobretudo as formas diretas de Ezequiel (o senhor anda assim) e de Capitu (não quero isso, ouviu?). 

 

Será preciso lembrar que a tessitura contrapontística do quarteto depende dos acordes de Bento Santiago, prestes a engolir todas as vozes no volume dos graves? 
 

Texto publicado originariamente na obra: Ficções de um gabinete ocidental: ensaios de história e literatura. Rio de Janeiro: Editora Record.

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